O Cinema Argentino e sua relação com as políticas de incentivo no Brasil

Redação: Marina Rodrigues | Edição: Isabela Guiaro

Durante uma das minhas visitas a Buenos Aires em 2022, não pude deixar escapar a chance de conhecer o Museo del Cine para entender melhor como os argentinos formaram sua indústria tão reverenciada aqui no Brasil.

Para minha grata surpresa, o viés de preservação dos hermanos deixa exposta as primeiras câmeras de cinema recebidas pelo país das mãos dos próprios irmãos Lumière, considerados pais da cinematografia – embora este debate de criação seja bem mais amplo.



Da época do nitrato aos dias atuais, o cinema argentino passou por transformações muito significativas para entendermos as últimas décadas. Sendo um dos primeiros países latinos a criar um órgão regulador da atividade, o INCAA (Instituto Nacional de Cinema e Artes Audiovisuais) surge ainda nos 1950 para impulsionar uma cinematografia independente das amarras hollywoodianas.

Até pouco antes desta época, o protecionismo argentino não existia e os Estados Unidos colocavam para fora sua política de dominação de um território estrangeiro para dissiminar suas produções, proibindo muitas vezes que profissionais argentinos chegassem aos cargos de destaque das produções, como a direção.

É possível afirmar, neste sentido, que a popularização do cinema sonoro ajudou a Argentina a se livrar da influência hollywoodiana, uma vez que a preguiça de se conectar a outra língua que não fosse o inglês os obrigou a recuar.

Fundamental para a formação de novos cineastas e a impulsionar impostos de contribuição para a indústria, o INCAA teve sua grande transformação somente com a chegada do Novo Cinema Argentino durante os anos 1990 e princípios dos anos 2000.

Do lado narrativo e audiovisual, os filmes trazem uma proposta de transformação social, alinhado ao que o país passava na época: desigualdade, inflação e aspectos políticos, nada muito diferente da atual Argentina.

Lucrécia Martel, uma das cineastas mais importantes para a cinematografia argentina, faz parte desse movimento e o marca muito bem com o longa “O Pântano” (2001), um drama familiar que cutuca a estrutura da sociedade de Córdoba, uma cidade que apesar de ser importante para o cinema, segue sendo conservadora até os dias de hoje.

Poucos anos antes, Bruno Stagnaro e Adrian Caetano lançam “Pizza, Birra, Faso” (1998) retratando a realidade do jovem porteño de baixos recursos e uma capital cada vez mais convulcionada. Os títulos foram importantes para demonstrar a força do cinema independente, longe das imposições das majors argentinas, sempre ligadas a grupos de mídias do país, mas também mostravam a força do incentivo público.



Junto com o movimento do Novo Cinema Argentino, também foram lançadas a última Lei do Audiovisual do país – atualmente muito carente de atualizações – e a cota de tela para as salas de cinema, exigindo também medidas para manter o filme argentino por mais de uma semana em cartaz, o que se tornou essencial para o lançamento do programa “Espacio INCAA”, que nada mais são do que salas de cinema públicas que exibem somente filmes nacionais.

Com o cofre dos recursos cheio, a Argentina passou a colaborar mais com outros países através do Ibermedia, um fundo de fomento gerido pelos governos de diversos países latinos e Portugal e Espanha, formando assim uma aliança iberoamericana.

A veia independente chamou atenção dos vizinhos brasileiros e da recém formada – à época – Ancine, um caminho aberto para coproduções que passaram a popularizar nomes do cinema argentino em nosso país, como é o caso de Ricardo Darín.

Com apoios irrestritos do INCAA aos festivais argentinos, como Mar del Plata e o independente BAFICI, os parceiros formalizaram um elo difícil de partir, e do qual foi essencial para a sobrevivência argentina no audiovisual após 2006.

Erros pontuais na gestão de Jorge Coscia, presidente do INCAA no período 2002 a 2005, fizeram do fundo um grande aliado às grandes produções, dificultando o caminho dos independentes, que encontraram um ponto de apoio com o lançamento do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) no Brasil e a possibilidade de formalizar coproduções internacionais.

Desde então, a Argentina participou de pelo menos 30% dos editais de coproduções internacionais, renovando este acordo com os brasileiros no ano passado, um esforço do Ministério da Cultura de ambos países e suas agências reguladoras.

Na atual crise política argentina, que enxerga a cultura a sua pior inimiga, os laços entre os países para evitar o apagão do cinema independente dos hermanos já se tornou estratégico, mesmo que o movimento do Novo Cinema Argentino tenha tido um fim em 2006, como apontado por especialistas no tema, porém sem evitar de deixar raízes que seguem florescendo.

O movimento que mexeu nas bases políticas do audiovisual também inspirou o INCAA a promover, e consequentemente receber aprovação das casas legislativas, a aprovar a lei chamada “Las Esculas Van Al Cine” em 2016, sendo essencial para a formação de novas gerações e que auxilia direta e indiretamente a permanência dos cinemas públicos, com ingressos sociais até hoje, mesmo com toda a crise econômica.

Foi através deste programa que os cinemas do “Espacio INCAA” realizaram sessões praticamente gratuitas com o filme “Argentina, 1985”, de Santiago Mitre (2022), que embora não possa ser considerado um longa independente, permitiu que a juventude do país não se afastasse das bases progressistas da políticas, estando cientes do horror da censura que volta a atormentar o sono de muitos.




No Brasil, uma lei semelhante foi aprovada em 2014, mas até hoje não foi sancionada pelo governo, uma grande perda para um país que viria se chocar com uma ignorante realidade anti-cultura alguns anos mais tarde.

De fato, ainda temos muito a aprender com o que este movimento ensinou aos argentinos, especialmente no que diz respeito ao protecionismo de mercado e ao espaço maior para obras independentes.

No entanto, as posições geográficas favoráveis tornaram o Novo Cinema Argentino muito mais amigo da Retomada do Cinema Brasileiro do que faz parecer uma rixa sem sentido que alguns tentam sustentar, trocando experiências e gerando emprego para ambos os lados da fronteira.

Autor: Redação Exclamación

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