Abolição do exército na Costa Rica e cultura do pacifismo

Enquanto o Brasil levanta o debate sobre o modus operandi e o viés ideológico das forças policiais em diversas esferas — militar, civil, ou federal —, é preciso compreender que, apesar de parecerem intrínsecas ao funcionamento de qualquer estado-nação, nem todos os países enxergam as Forças Armadas como essenciais. Este é o caso da Costa Rica, que teve o seu exército extinto em 1948.

Tal fato permite criar uma relação entre o distanciamento que a nação costarriquenha teve com a instabilidade política que a América Latina viu entre as décadas de 1940 e 1990 — que protagonizaram ebulição de inúmeros golpes militares e regimes ditatoriais em quase todos os países da região.

A construção de um país em cima de políticas pacifistas e estabilidade fizeram com que os costarriquenhos se tornassem exemplo de bem-estar social. Não à toa, a Corte Interamericana de Direitos Humanos tem como sede a cidade de San José, capital do país.

Hoje, a Costa Rica é um país que historicamente tem sido conhecido por sua estabilidade política, democracia consolidada e pela promoção da paz.

O processo que levou a Costa Rica a extinguir as Forças Armadas

Apenas alguns anos anteriores à extinção do exército, a Costa Rica enfrentou uma Guerra Civil. A também conhecida como a Revolução de 1948 foi um conflito armado que ocorreu no país entre 12 de março e 24 de abril de 1948 e foi motivado por disputas políticas e sociais que haviam se acumulado ao longo de várias décadas.

É preciso ressaltar que, na época, Rafael Ángel Calderón Guardia, o presidente eleito em 1940, foi considerado um grande líder popular por implementar uma série de reformas sociais e econômicas, incluindo a nacionalização dos bancos e a criação do Instituto Costarriquenho de Eletricidade. Porém, essas ações deixaram alguns setores da sociedade descontentes, o que gerou uma movimentação política contra o seu governo.

Em 1948, a oposição política a Calderón se uniu sob a liderança de Otilio Ulate Blanco, que havia sido derrotado por Calderón nas eleições presidenciais de 1948. Alegando fraude eleitoral, já que votos enviados por telegrama indicariam que, de fato, Ulate teria sido vencedor, ele se declarou presidente e convocou seus partidários para uma insurreição armada contra o governo.

Os insurgentes, liderados por José Figueres Ferrer, se espalharam por todo o país, intensificando o conflito. Assim, eles conseguiram ganhar o controle de algumas cidades, incluindo a capital, San José. Após 44 dias de guerra, Figueres e seus apoiadores conquistaram a vitória. Calderón foi deposto e exilado, e foi formada uma nova liderança entre Figueres e Ulate, chamada de  Junta Fundadora da Segunda República.

Em novembro de 1949 foi publicada a nova Constituição da Costa Rica e uma das principais mudanças para o país foi a abolição do exército definitivamente.

Qualidade de vida na Costa Rica após a Revolução de 1948

Após a guerra civil, a Costa Rica se tornou uma democracia consolidada, com a implementação de uma nova Constituição que garantia direitos civis e políticos. As eleições livres foram consideradas essenciais — e cumpridas ao longo dos anos —, e a sociedade costarriquenha se tornou mais engajada.

A decisão de abolir o exército ajudou a promover a estabilidade política e econômica do país e permitiu que os recursos fossem alocados para áreas como saúde — incluindo a criação do sistema de saúde universal —, educação e infraestrutura. Essas reformas foram a chave para melhorar a qualidade de vida para muitos costarriquenhos.

Saúde pública na Costa Rica

De acordo com o Banco Mundial, em 2019, os gastos totais com saúde na Costa Rica foram de 9,3% do PIB. Isso é um pouco acima da média para a América Latina e o Caribe, que é de cerca de 7,7% e um pouco acima do Brasil que, no mesmo ano, gastou 9,2%. 

Similar ao que vemos no SUS brasileiro, a Caja Costarricense de Seguro Social (CCSS) é um sistema de saúde universal financiado por meio de impostos sobre o trabalho que é gerenciado pelo governo. Isso significa que qualquer pessoa que trabalhe na Costa Rica e pague impostos pode se inscrever e receber atendimento médico gratuito. 

O sistema inclui serviços de prevenção, diagnóstico, tratamento e reabilitação, entre consultas médicas, exames laboratoriais e de imagem, internação em hospitais, cirurgias e medicamentos. A Caja também possui uma rede de clínicas e hospitais em todo o país, que são responsáveis por oferecer o atendimento médico de alta qualidade para todos os cidadãos, independentemente de sua renda ou status socioeconômico.

Segundo o relatório “Perfil do sistema de saúde da Costa Rica”, publicado em 2020 pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), 90% da população vive a menos de 2 horas de um centro de saúde e que o país tem muitos médicos e profissionais de saúde altamente qualificados. Esse mesmo informe também atesta que 95% das crianças no país recebem as vacinas recomendadas pela OMS e que a taxa de mortalidade naquele ano foi de 7,6 mortes por 1.000 nascidos vivos.

Além disso, a Costa Rica tem investido em pesquisa médica e desenvolvimento de tecnologias de saúde, o que ajudou a melhorar a qualidade dos serviços prestados e a aumentar a expectativa de vida da população — que, segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), chega a 81 anos.

Educação na Costa Rica

O mesmo relatório do Banco Mundial mostra que o gasto total em educação em 2019 foi de cerca de 7,2% do PIB — bem acima do Brasil, que gastou 5,3%, e da média geral de países da América Latina e Caribe, que é 4,3%. Além disso, o mesmo relatório aponta que o gasto governamental em educação representou cerca de 22,5% do total do gasto público no país em 2018.

A Costa Rica possui uma política de acesso universal à educação, o que significa que todas as crianças têm direito a frequentar a escola primária e secundária, independentemente da sua situação socioeconômica. Isso se reflete na taxa de alfabetização do país que, segundo o informe mencionado acima, chegou a 98%.

Meio Ambiente

A Costa Rica é conhecida por ser um líder global em sustentabilidade ambiental, com grande parte do seu território preservado por meio de parques nacionais e outras áreas protegidas. Isso é importante, pois, apesar de ocupar apenas 0,03% da superfície terrestre do planeta, a Costa Rica abriga cerca de 5% da biodiversidade mundial.

De acordo com o relatório “Indicadores Ambientales de Costa Rica 2020” publicado pelo Ministério do Ambiente e Energia da Costa Rica, em 2020, o investimento total em questões ambientais no país representou 2,47% do PIB, com ações que variam entre conservação de florestas e biodiversidade, energia renovável, água e saneamento, e gerenciamento de resíduos.

Pura Vida: a expressão costarriquenha mais popular do país

Histórico de pacifismo e direitos humanos na Costa Rica

Desde a abolição do exército em 1949, a Costa Rica adotou uma postura pacifista, renunciando à guerra como um meio para resolver confrontos. Como resultado, o país é um membro ativo da comunidade internacional e é um defensor da resolução pacífica de insurgências.

Além disso, é sede da Universidade para a Paz das Nações Unidas, que foi fundada em 1980 para fornecer educação em resolução pacífica de conflitos e promoção da paz. A universidade oferece programas de graduação e pós-graduação em estudos de paz e é um centro de pesquisa e treinamento em resolução pacífica de divergências.

Aliados à não-violência, os direitos humanos são parte da agenda social da Costa Rica. Por conta disso, o país é referência em diversos aspectos na América Central.

Igualdade de Gênero na Costa Rica

Em 2021, o Índice de Desigualdade de Gênero (IDG), medido pelo Banco Mundial, da Costa Rica foi de 0,408, o que significa que o país está entre os melhores da região em termos de igualdade de gênero, ocupando a 4ª posição no ranking da América Latina e do Caribe. Além disso, as mulheres têm uma forte presença na política no país. Em 2018, as mulheres ocupavam 45% dos assentos no Congresso Nacional.

Ainda na luta pelo desenvolvimento das mulheres, a nação costarriquenha tem uma das taxas mais altas de alfabetização feminina na América Latina, com 98,1% da população feminina com mais de 15 anos sabendo ler e escrever. 

Direitos da população LGBTQIA+

A violência e a discriminação contra pessoas LGBTQIA+ ainda são um problema na Costa Rica. De acordo com o relatório da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre Direitos Humanos de 2021, pessoas LGBT continuam sendo vítimas de crimes de ódio e discriminação em várias áreas, incluindo no acesso à educação e ao emprego. Além disso, a questão da adoção por casais do mesmo sexo ainda é controversa.

De qualquer forma, a Costa Rica foi o primeiro país da América Central a legalizar o matrimônio entre pessoas do mesmo sexo. Isso ocorreu em maio de 2020, quando uma decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos entrou em vigor. 

Luta dos povos indígenas

A Constituição implementada em 1949 reconhece os direitos dos povos indígenas, incluindo seus direitos à terra, recursos naturais, língua e cultura. Em 1977, o governo da Costa Rica criou a Comissão Nacional de Assuntos Indígenas (CONAI) para promover os direitos dos povos indígenas. Já em 2019, o país aprovou a Lei Indígena, que inclui o direito à consulta prévia e informada em questões que afetam seus territórios e recursos naturais.

Entretanto, os povos indígenas ainda enfrentam desafios significativos em relação aos seus direitos à terra e recursos naturais. Muitas vezes, suas terras são invadidas por empresas privadas ou pelo governo para projetos capitalistas, sem a consulta prévia e informada ou compensação adequada. Além disso, os povos indígenas enfrentam ameaças a sua cultura e modo de vida devido à exploração de recursos naturais, desmatamento e mudanças climáticas.

Os refugiados na Costa Rica

A Costa Rica é conhecida por ter uma política de portas abertas para refugiados e tem sido elogiada pela comunidade internacional por sua abordagem humanitária para lidar com o crescente número de refugiados na região. O país oferece acesso a serviços de saúde, educação e emprego para os refugiados e solicitantes de refúgio, além de fornecer abrigo e assistência financeira para aqueles que não têm recursos para se sustentar.

Por conta disso, é o país com a maior quantidade de solicitações de refúgio na América Central. Em 2020, havia mais de 84.000 refugiados e solicitantes de refúgio registrados no país, a maioria dos quais vindos da Nicarágua, Venezuela, Colômbia, Honduras e El Salvador.

A Costa Rica é um exemplo de que os conflitos podem ser resolvidos de forma pacífica, sem recorrer à violência e à guerra. O modelo de abolição do exército pode ser inspirador para outros países e regiões que enfrentam a luta armada e forte repressão policial.

Autor: Isabela Guiaro

Jornalista e content writer. Fiz pós-graduação em Globalização e Cultura e, durante o curso, desenvolvi pesquisas sobre identidade nacional e cultura latino-americana. Apaixonada pelo idioma espanhol desde os 5 anos de idade, meu objetivo é disseminar a cultura hispana no Brasil. Também sou professora de espanhol nas horas vagas!

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