De certo, nas manifestações populares contra o golpe de Estado que aconteceram na Bolívia e os protestos no Chile, ambos em 2019, você deve ter visto bastante a imagem de uma bandeira toda colorida.
Esse emblema chama-se wiphala e representa os povos andinos da América do Sul. Porém, este objeto tem muitos significados além desse fato que ocorreu na Bolívia e no Chile. Leia o texto a seguir para conhecer a história e a importância da wiphala para os originários.

O que é a wiphala e qual a sua origem?
A wiphala é uma bandeira quadrangular — formada por quatro ângulos — dividida em 49 quadros, de sete cores, usada pelos povos andinos da Bolívia, em algumas regiões do Peru, Colômbia, no norte da Argentina e Chile, sul do Equador e oeste do Paraguai.
Wiphala vem de duas palavras de origem aymara: wiphai que significa triunfo, usada até hoje em festivais solenes e atos cerimoniais.
E lapx-lapx denota o efeito do vento, que dá origem à palavra laphaqi que é entendida como a ondulação de um objeto flexível pela ação do vento. De ambos surge o termo wiphailapx: “o triunfo que ondula ao vento.” Por razões eufônicas, a palavra tornou-se wiphala.
A wiphala igualmente é uma fração da Chakana, cruz andina, também quadrada. A segunda imagem representa pontos cardeais, deuses e o mundo inferior, o mundo do meio e o mundo superior.

Sua origem é desconhecida, entretanto algumas pessoas atribuem ao povo Tiwuanaku, provenientes antes do Império Inca, que viveram entre 500 e 950 d.C. e formaram uma das primeiras cidades andinas, que recebeu o nome Tiwanaku, um sítio arqueológico a 70 quilômetros a oeste de La Paz, em homenagem aos habitantes.
A wiphala é a representação da filosofia andina, simboliza a doutrina da Pachakama — princípio, ordem universal —, e da Pachamama — Mãe Terra, cosmos — que constitui espaço, tempo, energia e nosso planeta, então o significado do wiphala é um todo.
Atualmente, é um símbolo da ressurreição da cultura que fluiu dos Quatro Estados primordiais de Tiwantinsuyo.
No centro é atravessado por uma faixa de sete quadrados brancos que simbolizam os Markas e Suyus, ambos significam regiões. Ou seja, a coletividade e a unidade na diversidade geográfica e étnica dos Andes.
Representa também o princípio da dualidade, bem como a complementaridade dos opostos, portanto união dos espaços.
E, consequentemente, a oposição complementar ou força de dualidade, ou seja: fertilidade, união dos seres, resultando na transformação da natureza e do homem que o caminho vital implica e a busca que ele nos leva.
Os quatro lados da wiphala comemoram os quatro irmãos míticos Ayar, precursores dos quatro estados de Tiwantinsuyo; bem como as quatro festividades que representam as quatro estações do calendário aymara.
A parte superior do wiphala é identificada com o sol, o dia; a parte inferior com a lua, a noite.
Significado das cores

As cores da wiphala são tiradas do arco-íris, que as culturas Tahuantinsuyo interpretam como uma referência aos ancestrais. Cada cor tem um significado específico, sendo eles:
- Vermelho: o planeta terra — também conhecido como pacha —, é a expressão do homem andino, no desenvolvimento intelectual, é a filosofia cósmica.
- Laranja: representa a sociedade e a cultura, é a expressão da cultura, a preservação e a procriação da espécie humana; é saúde e medicina, treinamento e educação, prática cultural jovem dinâmica.
- Amarelo: é energia e força — cha’ama pacha —, expressão de princípios morais, é a doutrina de Pachakama e Pachamama: dualidade (chacha wami), leis e normas, a prática coletivista da fraternidade e da solidariedade humana.
- Branco: Tempo e dialética (jaya pacha), é a expressão do desenvolvimento e transformação permanente da Qullana Marka na Cordilheira dos Andes, o desenvolvimento da ciência e tecnologia, arte, trabalho intelectual e manual que gera reciprocidade e harmonia na estrutura da comunidade.
- Verde: representa a economia e a produção andina, os recursos naturais da superfície e do subsolo, a flora e a fauna que são uma dádiva.
- Azul: espaço cósmico, infinito (araxa pacha), é a expressão de sistemas estelares e fenômenos naturais.
- Violeta: política e ideologia andina, é a expressão da comunidade e do poder harmônico dos Andes; o instrumento do Estado como instância superior, as organizações sociais, econômicas e culturais, a administração do povo e do país.
Ela é encontrada nas manifestações sociais e culturais do homem andino, nas reuniões comunitárias dos Ayllu, nos casamentos comunitários, quando nasce uma criança, quando se corta o cabelo de uma criança (batismo andino), nos funerais, etc.
A wiphala também surge em festivais solenes, em eventos cerimoniais comunitários, em eventos cívicos e nas danças. Além de estar na finalização de uma obra, na construção de uma casa e em todo o trabalho comunitário do Ayllu e Marka.
A wiphala como forma de resistência
Desde a década de 1970, durante as manifestações camponesas organizadas para recuperar a identidade política do povo aimará, a wiphala tem tido um reconhecimento considerável nos países andinos.
Já no primeiro mandato do governo de Evo Morales, na Bolívia, entre 2006 e 2009, o ex-presidente assinou uma nova Constituição no país reconhecendo o pluralismo cultural, político, jurídico e econômico. Com isso, 36 diferentes nacionalidades dos povos originários foram legitimadas.
A partir daí, a wiphala vem sendo hasteada em edifícios públicos, atos cívicos e oficiais, ao lado da bandeira do país.

Porém, como visto no golpe de Estado que ocorreu no país boliviano, a parcela racista da população — principalmente os golpistas — mostraram seu ódio queimando a wiphala, nas manifestações contra Evo Morales.
Após o golpe, também houve policiais no país que tiraram o emblema de seus uniformes e cortaram, deixando apenas a bandeira da Bolívia.
Essa atitude demonstra como ainda hoje persiste o desconhecimento e o desprezo pela bandeira e mais do que isso, pelos povos originários e os avanços que eles conquistaram nos últimos anos.
Vale ressaltar que Evo Morales foi o primeiro presidente indígena na Bolívia, o que trouxe um desenvolvimento maior para essa população.
Entretanto, enquanto os setores da oposição queimavam a wiphala, os descendentes dos povos originários, sobretudo os quechuas e aimáras, a levavam e levantavam nas manifestações contra o golpe, demonstrando o orgulho que sentem e em também em forma de repúdio aos golpistas e suas atitudes racistas.
Outro ponto para mencionar é que nos protestos, os andinos gritavam “wiphala se respeita”, como forma de consideração e apreço à bandeira.
Ao trazer a wiphala para o centro das manifestações, os indígenas do país simbolizam que não aceitam o pensamento colonizador e imperialista que ainda domina não só na Bolívia, mas na América do Sul como um todo.
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